21 novembro 2010

Lua Cheia de Novembro

"Devia ter de aliviar as dores, de forma a que Gudrun pudesse descontrair-se
e ajudar a criança a nascer. Para isso, tinha de usar meimendro. Pegou num
ramo de florinhas amarelas, raiadas de púrpura, colocou-as num almofariz em
loiça e reduziu-as habilidosamente a pó, tapando o nariz por causa do cheiro
acre que elas libertavam.
(...) Chovia. Um aguaceiro primaveril que enchia o ar da noite com o cheiro
agridoce de terra acabada de lavrar.
(...) Tirou algumas bagas de cevada seca do saco de lã, quase vazio, depois de
um longo Inverno, e deitou-as no recipiente.
(...) Joana adorava a sua frescura e o cheiro a pergaminho que impregnava
o ar, um incentivo à exploração da vasta colecção de livros que ficava do
outro lado da porta.

(...) Ensinou-lhe a cultivar e colher as plantas medicinais do jardim e a usar
as suas diversas propriedades curativas: funcho para a obstipação, mostarda
para a tosse, cerefólio para as hemorrogias, absinto e folhas de salgueiro
para a febre. No jardim de Benjamim havia remédios para todos os males
humanos possíveis e imaginários. Joana ajudava-o a fazer as diversas
cataplasmas, purgas, infusões e curativos
(...) Apressou-se a fazer uma poção com vinho tinto e salva, na qual deitou
umas gotas de sumo de papoila. Um preparado daqueles exigia o maior cuidado,
porque aquilo que administrado em pequenas quantidades fornecia um alívio
abençoado para as dores mais insuportáveis, também podia matar. A diferença
dependia apenas da habilidade
(...) O corpo dele sarará, pensou ela, mas não a sua alma ferida. 
(...) Deixou para o seu aprendiz a tarefa de ligar a ferida com as folhas de arruda,
cobertas com gordura, embrulhadas em pano.
(...) Joana pegou no seu saco e tirou um pedaço de pergaminho encerado,
desdobrando-o cuidadosamente para não desperdiçar o pó precioso [pó de
cólquito]. O camareiro voltou com um jarro de água. Joana deitou um pouco
numa taça, depois deitou-lhe dois dracmas de raiz em pó, a dose recomendada.
Acrescentou-lhe mel diluído, para disfarçar o sabor amargo e uma pequena
dose de meimendro, para adormecer Sérgio - porque o sono era o melhor
remédio contra a dor, e o descanso a melhor esperança de cura.
(...) Colocou-o sob uma dieta rigorosa constituída por vegetais e água de cevada.
(...) Com a persistência de Joana, cada dia foi um pouco mais longe; ao fim de
um mês, já era capaz de dar uma volta completa ao jardim.
(...) Era Primavera e os lilases já estavam em flor, perfumando o ar com o seu
aroma activo.

(...) A sua pele era de uma alvura marmórea, os seus olhos, enormes, com umas
órbitras de um violeta-profundo, que as grandes pupilas negras tornavam num
negro de ébano.
Demasiado grandes, pensou Joana subitamente. Uma dilatação tão grande das
pupilas era realmente anormal. A observação clínica quebrou o feitiço da beleza
de Marioza.
(...) O cheiro neste quarto... é mandrágora, uma coisa a que se chama, às vezes,
maçã-de-satanás. O fruto amarelo era um narcótico; isso explicava as pupilas
dilatadas de Marioza.

(...) Depois, pegou num pacote de pó de raiz de carvalho e noutro com salva seca;
esmagou-os e deitou-os num frasquinho com vinho misturado com mel. Virando
cuidadosamente o frasquinho com o líquido precioso, bebeu um trago para resistir
aos humores negativos daquele lugar.

(...) Alguns corpos queimados e calcinados não eram passíveis de cura; não havia
nada a fazer, a não ser administrar doses de papoila, mandrágora e meimendro para
aliviar as suas agonias mortais. Outros tinham queimaduras graves que ameaçavam
infectar; a esses, ela aplicava-lhes emplastros de mel e aloé (...) Mas havia ainda
outros, cujos corpos não tinham sido tocados pelo fogo mas sofriam de problemas
respiratórios, por terem respirado muito fumo. Estes agonizavam, lutando pela vida
a cada respiração.
(...) esmagando algumas folhas secas de hissopo, transformando-as num pó fino no
seu almofariz. Esmagar e moerm esmagar e moer; os movimentos familiares da mão
e do pulso eram bálsamo para o desgosto que lhe atormentava o coração."

[Livro "A Papisa Joana" de Donna Woolfolk Cross]


"Deus colocou nas florestas a sua farmácia para que todos os homens pudessem ter saúde."

[Paulo Coelho]

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